CANÇÕES DO FOLCLORE- ATIRAR OU NÃO, O PAU NO GATO?

Abordar o tema canções do folclore torna-se um desafio quando o assunto é elucidar a questão das letras das músicas, que fazem parte da cultura de um povo.

A discussão sobre as letras das canções do folclore apresenta duas vertentes: uma cultural e uma comercial. Comercialmente, quando a mídia dá importância para determinadas produções, tornam-se produto de venda. Culturalmente, as produções nem sempre captam a atenção da mídia, fazendo parte de algo maior, haja vista, inúmeros compositores regionalistas com exímia maestria, que não são conhecidos por nós, nacionalmente.

Assim, o folclore localiza-se na seara cultural, que, por vezes, volta à tona no panorama midiático, devido à falta de outra “novidade”. Ainda assim, faz parte da cultura de um povo, revela uma identidade.

Folclore é a cristalização da cultura de um povo. Como um “RG cultural”, o folclore não é passível de adulterações, a ponto de transformá-lo num novo folclore, alterando a identidade de um povo. Vale lembrar que, adulterar significa modificar características iniciais, e alterar pode significar desorganizar. Porém, modificações regionalistas fazem parte do movimento da própria cultura, pois ela é viva!

Aprofundando o tema folclore, observamos as canções, algumas delas, cantigas de roda. Neste aspecto, atualmente, há uma certa atenção dispensada pela mídia, as letras das canções.

Partindo de uma vertente comercial, facilmente descobrimos o porquê de tal preocupação: produto de venda. Partindo de uma vertente cultural, necessário analisar-se melhor.

As canções do nosso folclore são de origem europeia (Portugal, Espanha, França), indígena e africana. Não devemos negar também nos últimos anos, a influência norte-americana nas canções folclóricas brasileiras.

A discussão paira nas letras das canções do folclore, a exemplo, dentre tantas, Atirei o pau no gato. Algumas vozes do grupo dos politicamente corretos passaram a questionar o discurso das canções, apontando a presença de preconceitos, estereótipos e medo, o que causaria impacto na formação dos valores nas crianças. Apontam, inclusive, que tais letras possam estimular a violência nas crianças, e partem do princípio de que as letras adaptadas (Não atire o pau no gato, por exemplo) estão de acordo com o discurso politicamente correto.

Ocorre que, tais defensores esquecem de uma análise importante a se fazer, a análise musical.b> Para esta, uma composição gerada, seja quem ou quais forem seus compositores, representa expressão única de um arcabouço musical intrínseco daquele ou daqueles que a criaram, estando a melodia geminada com as sílabas da letra no idioma em questão. Significa dizer que, uma melodia com determinadas sílabas, num determinado discurso musical, não concebe alterações, simplesmente por questão do que a letra da canção diz. Pois, a nota está para sílaba, assim como um caule com espinhos está para a rosa, não havendo possibilidade de separação dessas duas metades; apenas porque talvez alguns, não gostem de rosas! O mesmo acontece, principalmente, em músicas populares no idioma inglês. Quantas vezes nos apaixonamos por determinada canção, e ao traduzi-la, perdemos o gosto pela mesma...??? Isso porque, o compositor não pensou aquela melodia em português, pensou sim, em inglês, daí sua beleza na música. E é por essa dificuldade que muitos compõem as famosas versões, onde a melodia de um texto em inglês é totalmente modificada em todo seu discurso e sentido literário no português, nascendo outra canção (letra completamente diferente), mas mantendo a mesma melodia e harmonia.

Então, do mesmo modo, as canções do folclore não foram compostas com as letras politicamente corretas. Pelo contrário, nossas canções foram compostas com as letras que falam do nosso jeito, nossa gente, passando de gerações em gerações, chegando aos dias de hoje com modificações sim, mas não dizimadas, como pretendem alguns que, por conta de uma linha de pensamento falho em suas análises, padecem de argumento musical e cultural.

Não podemos imaginar nosso folclore sem nossas canções, do jeito que são, assim como os africanos da África do Sul, por exemplo, não deixam de cantar “Amavolovolo” com dança e gestos, até mesmo em festas de casamento, simplesmente porque a letra diz “tome cuidado, proteja-se, leve sempre seu revólver”. Da mesma forma, no Brasil, apesar do grupo dos politicamente corretos, não deixemos de cantar “Atirei o pau no gato”, porque se trata de valor cultural, está arraigado nos confins do nosso território. Para fazer parte do folclore é preciso tempo de maturação no subconsciente coletivo, e isso pode demorar décadas.

Outra análise a se fazer, além da musical, é a análise musicoterápica das canções folclóricas em âmbito educacional. Pesquisas demonstram que, a memória musical da criança lembrará da canção como boa ou má experiência, dependendo de como a canção for vivenciada. Se, ao cantar Atirei o pau no gato, a criança cantava brincando de roda no ritmo da música, e ao final soltava um berro, não significa que essa experiência tenha sido ruim. Pelo contrário, as pesquisas demonstram que, as pessoas lembram dos momentos junto aos colegas, que era uma roda, que era rápido, que todos gritavam. A música toca mais do que a letra nela contida. Não há pesquisas que digam se, quem cantou Atirei o pau no gato, tornou-se assassino de gatos. Em musicoterapia, muito melhor atirar o pau no gato na música, do que na vida real!

Em vez de querer mudar a identidade de um povo, através da adulteração das letras das canções do folclore; a parcela das pessoas politicamente corretas e extremamente preocupadas com a consequência nas crianças; como sugestão: deveriam percorrer o país e catalogar as músicas do folclore já existentes – o último grande compositor a fazer isso foi Villa-Lobos, ou então, deveriam criar canções infantis com as letras que consideram adequadas, claro, com novas melodias, dando opções para quem queira, mas, por favor, sem chamar isso de folclore!

Afinal, folclore não é obra registrada no EDA (Escritório de Direitos Autorais), seu registro é na memória cultural de um povo!

Autora: Taciana Taffarel (registro EDA)

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